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quinta-feira, 30 de junho de 2011

AS MUDANÇAS RECURSAIS NO NOVO CPC.

AS MUDANÇAS RECURSAIS NO NOVO CPC.

1. INTRODUÇÃO

A fama da processualística brasileira é reconhecida pela utilização de adjetivos como: morosa, demorada, lenta e intempestiva, entre outros. De fato, a existência da garantia do livre acesso à Justiça, como forma de Direito Fundamental, constituí um grande avanço para a nação brasileira; entretanto, justamente este acesso desenfreado é um dos fatores determinantes os quais vêm a contribuir para com a morosidade da Justiça Brasileira. Aliada, ainda, a fatores ontológicos esta causa primária de morosidade vem a levar o Direito Processual brasileiro a viver uma situação crítica, na qual um processo dura, em média, cerca de 15 (quinze) anos para ser resolvido.

A Emenda Constitucional n. 45/2004 veio para tentar resolver estes problemas, sendo chamada de a Reforma do Judiciário, trazendo diversas alterações importantes que refletem até na incorporação de normas internacionais que versam sobre Direitos Humanos no ordenamento jurídico pátrio. De toda forma, a iniciativa desta emenda demonstra a necessidade de resolverem-se os conflitos existentes na marcha processual. Todo este quadro vai fundamentar o Projeto de Lei n. 166/2010; o Novo Código de Processo Civil.

No presente trabalho, seguindo a proposta da docência, adotar-se-á, como objeto de estudo as alterações propostas pelo novo código no que diz respeito à parte recursal por uma questão metodológica; na medida em que existem alterações, acréscimos e supressões significativos em todo o corpo da lei em debate.

2. DO ROL DE RECURSOS CABÍVEIS

No atual código o rol de recursos cabíveis está normatizado pelo artigo 496 que preceitua serem cabíveis os seguinte recursos: Apelação, Agravo, Embargos Infringentes, Embargos de Declaração, Recurso Ordinário, Recurso Especial, Recurso Extraordinário e Embargos de Divergência em Recurso Especial e Extraordinário. Cabe ainda explicar-se que: 1) a Apelação, nos moldes do art. 513, visa a reforma de sentença, no caso, serve de ataque às decisões proferidas em forma de sentença; 2) o Agravo é admitido em três formas: a) Retido, nos moldes do Art. 522 primeira parte, para atacar decisões interlocutórias, desde que da decisão não decorra a possibilidade de causar-se lesão grave ou de difícil reparação à parte; b) de Instrumento, nos moldes do Art. 522 segunda parte, quando da decisão decorrer a possibilidade elencada anteriormente; c) Regimental, de acordo com os Regimentos Internos de cada Tribunal para que o Pleno aprecie a matéria não analisada pela Turma; 3) os Embargos Infringentes são cabíveis quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória, nos moldes do art. 530; 4) Cabem Embargos de Declaração quando a sentença for omissa, obscura ou contraditória (art. 535); o Recurso Ordinário dirige-se aos Tribunais Superiores (STJ e STF), e vão levar-lhes à apreciação remédios constitucionais que foram julgados em única instância pelos Tribunais (no caso de competência exclusiva); os Recursos Especiais são os dirigidos ao STJ (obedecendo a critérios especiais de aceitação); os Recursos Extraordinários são os dirigidos ao STF (também obedecendo à critérios especiais de aceitação); e os Embargos de Divergência em Recurso Especial e Extraordinário que funcionam como um padrão de uniformização de jurisprudência.

Feitas esta breve síntese, aponta-se, o rol de Recursos proposto pelo Projeto de Lei em apreço, fornecido no art. 948, sendo cabíveis, para nova ordem: Apelação, Agravo de Instrumento, Agravo Interno, Embargos de Declaração, Recurso Ordinário, Recurso Especial, Recurso Extraordinário, Agravo de Admissão e Embargos de Divergência. Não é bastante dizer formalmente a primeira mudança diz respeito à supressão dos Embargos Infringentes que deixam de existir no novo código. Assim como, que deixa de existir (expressamente) a figura do Agravo Retido. Materialmente, a mudança ainda é mais profunda e será estudada, pormenorizadamente, no tópico a seguir.

3. DA APELAÇÃO

Aparentemente, não sofre mudanças no que tange ao enfoque do ataque, pois o caput do art. 963, preceitua “da sentença cabe apelação”. A mudança vai ocorrer em uma lógica de supressão do Agravo Retido e a não incidência de preclusão quanto às questões (incidentes) resolvidas na apreciação do mérito, que poderão ser suscitadas nas Razões ou Contra-Razões da Apelação (conforme o parágrafo único do referido artigo).

Tal conduta fica melhor explicada ao se expor que, na ótica do novo código, o Agravo de Instrumento fica circunscrito somente a situações taxativas (como se verá a seguir), de forma que supressão do Agravo Retido não afeta na operação final, porque, de certo modo, congrega dois recursos em um só: a Apelação. Outra alteração substancial é a inovação do art. 967, que preceitua que as questões de fato não propostas no juízo inferior poderão ser suscitadas na apelação, se a parte provar que deixou de fazê-lo por motivo de força maior. Cobrando da instância revisora a produção de analise de mérito não suscitada no processo de conhecimento.

4. DO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Na dicção do art. 969 do novo código de processo civil é cabível agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: tutelas de urgência ou da evidência; o mérito da causa; rejeição da alegação de convenção de arbitragem; o incidente de resolução de desconsideração da personalidade jurídica; a gratuidade de justiça; a exibição ou posse de documento ou coisa; exclusão de litisconsorte por ilegitimidade; a limitação de litisconsórcio; a admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; outros casos expressamente referidos em lei (é possível citar no novo código o art. 112, §3º - indeferimento do pedido de limitação de litisconsórcio, o art. 309, parágrafo único - da decisão que aceita ou rejeita o assistente, art. 389, parágrafo único - faz referência à decisão na exibição de documento, o art. 504 – que faz referência ao inciso III do art. 929, aqui exposto – cumprimento de sentença, o art. 863, parágrafo único – partilha do crédito do devedor insolvente).

Também, segundo o parágrafo único do art. 969 caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença, cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. Mudanças que demonstram a intenção em limitar-se o Agravo de Instrumento que deixa de ter concepção ampla de qualquer decisão interlocutória que possa vir a causar dano grave ou de difícil reparação.

5. DO AGRAVO INTERNO

Na letra do art. 975, o agravo interno tem a função de atacar a decisão interlocutória proferida pelo relator; leciona a referida norma que ressalvadas as hipóteses expressamente previstas no Código ou em lei, das decisões proferidas pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão fracionário, observadas, quanto ao processamento, as regras dos regimentos internos dos tribunais.

6. DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

No que tange aos Embargos, o código aproveita a forma da antiga legislação acrescentando pequenas coisas, como por exemplo, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão monocrática ou colegiada para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprimir omissão sobre ponto no qual o juízo era obrigado a pronunciar-se e para correção de erro material.

7. DOS RECURSOS PARA O STJ E STF

No que tange ao Recurso Ordinário o novo código é mais descritivo quanto a sua aplicabilidade limitando-o aos casos em que a decisão for denegatória. Interessante notar que no parágrafo único do art. 981, que nas causas do inciso II, referentes aos casos de competência de julgamento do STJ, alínea b, nas causas em que forem parte Estado Estrangeiro ou organismo internacional e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no Brasil; caberá agravo das decisões interlocutórias. Pode-se observar uma omissão do legislador ao não especificar a espécie de agravo, na medida em que o agravo de instrumento tem especificidades legais para utilização (já explicadas) e o agravo interno a função de atacar decisão interlocutória do relator. Desse modo sendo possível o cabimento de ambos.

Em relação aos Recursos Especial e Extraordinário não houveram grandes mudanças materiais, somente na forma de processamento, por isso destaca-se o Incidente de Recursos Repetitivos, preceituado na subseção II, do art. 990 à 995. A idéia dos recursos repetitivos encontra-se no código antigo, estabelecida no art. 518, §2º. Ela toma maiores proporções no novo código como um incidente processual de rito próprio.

Outra inovação é o chamado Agravo de Admissão na letra do art. 996, caberá agravo de admissão da não admissão de Recurso Especial ou Extraordinário para o STJ ou STF. Por fim, os Embargos de Divergência ganham mais conteúdo nos moldes dos artigos 997 e 998, descrevendo o legislador, no primeiro, as hipóteses de cabimento de forma mais detalhada, e no segundo o procedimento que será obedecido.

8. CONCLUSÃO

Na lição de Francesco Carnelutti, chamamos de direito (objetivo, ordenamento jurídico) ao conjunto dos mandamentos jurídicos (preceitos sancionados) que se constituem para garantir, dentro de um grupo social (Estado), a paz ameaçada pelos conflitos de interesses entre seus membros. O Direito irá se constituir mediante a formulação dos preceitos e a imposição das sanções. De um lado existe uma observação quanto a conformação das atitudes ou ações dos indivíduos com estes preceitos legais; enquanto de outro; a ação do Estado, vai se fundamentar nesta força invisível que decorrer da sanção legal.

O processo, dessa forma, vai consistir em um conjunto de atos dirigidos à formação ou à aplicação dos mandamentos jurídicos, cujo caráter consiste numa interação entre as pessoas interessadas (partes), com as pessoas desinteressadas (juízes, etc.); demonstrando o caráter instrumental do processo e a Jurisdição como uma modalidade de resolução de conflitos por heterocomposição.

Carnelutti, além de introduzir esta concepção da Teoria Geral do Processo, ainda vai mais alem em suas obras sobre as Instituições de Processo Civil, chegando a afirmar que o maior inimigo do Juiz é o tempo. Como o direito processual só entra em cena quando há violação do direito material, a mutabilidade do fato social que vai gerar o mandamento jurídico a ser protegido, influencia, diariamente, a atuação do Juiz. Se se considerar a Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, o direito material constituído pela aplicação do trinômio, fato, valor e norma; existiria uma extrema volatilidade na aplicação jurisdicional dos valores definidos na norma.

O projeto de reforma do código de processo civil, demonstra, justamente, este quadro no qual a processualística já defasada não consegue defender os valores almejados pela sociedade. Após a grande reforma da Emenda Constitucional n. 45, o Princípio da Razoável Duração do Processo conferiu uma nova ótica para a processualística brasileira. A prestação jurisdicional a contento passou a ser objeto alcançado pela locução “direitos fundamentais”, o que conferiu uma nova dimensão de proteção ao instrumento jurisdicional.

Portanto, se há alguma consideração a ser feita, em sede de conclusão deve-se, primeiramente, reconhecer-se, e louvar-se, a atitude do Congresso Nacional em reformar o defasado Código de Processo Civil; em segundo lugar, apontar para a questão da mutabilidade dos preceitos normativos do direito material, requerendo uma “clausula de abertura” na codificação processual; por fim, louvar-se a participação democrática na produção do texto novo e a melhoria dos instrumentos recursais que aceleram o julgamento das demandas sem, em contrapartida, cercear os direitos fundamentais processuais.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL, Projeto de Lei n. 166/2010 que dispõe sobre a reforma do código de processo civil. Disponível em: <http://www.senado.gov.br> Acesso em: 05.05.2011.

BRASIL, Lei n. 5.869/73 Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm> Acesso em: 05.05.2011.

CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del Proceso Civil. Traducción de la quinta edición por Santiago Sentis Melendo. Volumen I. Ediciones Jurídicas Europa-America. Buenos Aires. 1959.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

FUX, Luiz. Curso de direito processual civil. 3ª ed. Rio de janeiro: Forense, 2005.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 27ª Ed. ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002

THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de Direito Processual Civil, vol. I 36ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

The Modernity of Science (Niklas Luhmann)
Parte I

Alberto de Moraes Papaléo Paes

Neste artigo Luhmann tenta traçar um relação entre a modernidade da ciência em contraponto à sociedade. Inicia o texto apontando diferenças indicadas por Weber no que tange à modernidade para a sociologia, lecionando, que existem contingências históricas x regionais acerca do que é a modernidade para a sociedade.

“I the context of these data, one can at least begin to recognize that modern society produces its own newness (why does society has to be ‘new’?) by way of stigmatizing the old” (LUHMANN. 1994. Pág. 10).

Por este fato, a ciência conseguiu, por algum tempo, distanciar-se dos problemas semânticos da linguagem na modernidade (sociológica). Para Luhmann alguns momentos cruciais que definem o ponto de mutação são: 1) o desmembramento do “world of one’s father”, sua degradação como mera história o que impossibilita uma auto-descrição da modernidade na ciência; 2) o aumento do poder de persuasão de teorias auto-interpretativas que leva a diferenças irreconciliáveis. Para as ciências a modernidade está estritamente ligada a racionalidade (knowledge), e a partir da utilização de uma metodologia reducionista se chega a um novo grau de complexidade que somente aumenta o poder de dissolução ou põem a extensa e complexa coleção de conhecimento em sua forma mais clássica (Euclid, Newton).

“Such a concept, however, makes it difficult to recognize a connection between modern science and modern society. The factual contents of knowledge resist a historical as well as (for the same reason) a social-structural classification. And bivalent logic, together with the epistemology based on it, does not provide any alternative to this situation. If knowledge is true, it is always true (which, of course, does not includes the claim that the object of this knowledge must always have existed)” (LUHMANN. 1994. Pág. 10).

Somente com Thomas Kuhn é que se abadonam as verdades indefinidas decorrentes da historicidade do conhecimento (racionalidade). A partir daí o conhecimento científico vai se basear em diferentes “paradigmas”, e não mais em verdades decorrentes da história. Por conta disto Luhmann afirma que “we are dealing with a different paradigm whose claim to superiority can be formulated only by its own means. The constructivism of modern epistemology is grounded only in itself” (LUHMANN, 1994. Pág. 11).

O autor vai contraditar esta idéia com base na acepção de uma conexão entre a diferenciação funcional do sistema social (functional differentiation of the social system) a um construtivismo autoconsciente de ciência (constructivist self-understanding of science). A forma de diferenciação nas sociedades modernas fazem com que seja possível, ou ainda reforçam a idéia, de autonomia da separação funcional das áreas; isto se trona possível pela diferenciação de certas operações fechadas, sistemas autopoiéticos. Estas operações fechadas vão demandar que o sistema reflita sobre sua própria singularidade e insubstitutibilidade, mas também não se esquecendo do fato que existem outros sistemas funcionais do mesmo tipo na sociedade. Por isto acredita que o conhecimento é somente uma das formas de potência social dentro de várias outras (em particular o conhecimento avançado). A comunicação verbal pressupõe o conhecimento, dessa forma a sociedade não pode se comunicar (ou existir), sem a presença dele. O mesmo não se pode dizer do conhecimento avançado (expert knowledge), na medida em que a sociedade somente necessita dele de forma específica, não na autopoiese da comunicação como tal.

“In a peculiar way, scientific knowledge must stand its ground and take itself back; it must continue to produce new achievements and, at the same time, it must refrain from defining the world for society. To be sure, no one seriously doubts the descriptions of the world furnished by science, insofar as science itself trusts them. Nonetheless, the effect is virtually non-binding as far as other systems of communication are concerned” (LUHMANN. 1994. Pág. 11).

As designações, usualmente utilizadas, para explicar este estado de relações são o relativismo, o convencionalismo e o construtivismo. Para Luhmann elas podem ser sintetizadas em uma tese de perca (ou perda) de referencias (loss of reference). Tal tese expõe um conteúdo negativo, na medida em que se constrói a negatividade a partir de uma comparação histórica das premissas da ontologia metafísica, com os dogmas religiosos, seu “cosmos” de essência, seu conceito normativo de ciência que prescreve uma ordem correta (teoria mecanicista de natureza), mesmo que se aceite uma perda irremediável a partir desta atitude em relação ao mundo e se sinta compelido a alinhar-se com a relatividade e a contingencia com o caráter meramente hipotético e provisional de todo o conhecimento.

A partir desta concepção torna-se possível observar um descontentamento com a moderna cultura do conhecimento, talvez este descontentamento explique por quê não existe nenhum esforço em se refletir a modernidade específica da ciência hodierna, fato este que somente comprovaria o descontentamento. As discussões acerca da realidade/referência são atacadas por não trazerem nenhum cunho produtivo no resultado final. Não se pode considerar realidade fora da referência, assim como a realidade produzida a partir de um referencial pode ser mudada se considerada a manipulação do contraponto de referência. Por isso ele acredita que a sociedade moderna deve formular seu problema epistemológico de forma diversa.

Primeiramente, os problemas de referência e os problemas sobre a verdade devem ser claramente distinguidos. Segundo o sociólogo, uma lógica bivalente tem tentado (ou será forçado?) as pessoas a confundir as duas perspectivas. O único valor positivo que se possuí, “verdade”, também designado como “ser”, é, portanto, uma referência articulada. O contra-valor “não-verdade” somente vai servir de controle sobre o ato de referir, designar, clamar, reconhecer. Sobre esta proposição a Teoria da perda de referência aparece como perda da verdade, o que vai recair em um paradoxo “niilista”, na medida em que somente a não-verdade poderia ser considerada como verdade. Na verdade, a lógica não foi estruturada a fim de resolver questões mais complexas, desse modo, as relações sociais foram explicadas sob uma visão mono contextural de mundo.

A verdade pode ser interpretada como um código, ou seja, uma diferença intrinseca auto-referencial entre “verdade” e “não-verdade”. Já no caso da referência, Luhmann vai apontar a diferença entre auto-referência (referência interna), e referência externa. A primeira é definida como “the achievement of an observational designation. Each observation designates something (traditionally speaking: it has an objetc)” (LUHMANN. 1994. Pág. 13). O oposto de operação seria a designação, que é definida como “an objectless enactment” (LUHMANN. 1994. Pág. 13). Portanto, a auto-referência refere-se ao que a operação de “observação” decreta, enquanto que referência externa refere-se ao que foi excluído. Concluí-se, então, que o valor da realidade muda da designação (referência) para a destinção que é co-atualizada em cada designação lecionando o sociólogo que

“real is what is practiced as a distinction, what is taken apart by it, what is made visible and invisible by it: the world. And this holds for every distinction – for the distinction between self-reference and external reference as well for the distinction between true and untrue (LUHMAN. 1994. Pág. 14”.

Desse modo este raciocínio vai levar a produção de uma diferenciação das diferenças, o que se pode explicar pelo fato de que para a as operações de referência as designações podem ser tanto verdades como não-verdades, assim como que o que foi deixado de lado (referências externas), igualmente pode ser considerado como verdade e não-verdade, ao mesmo tempo; o que vai levar embora o privilégio cartesiano do “sujeito”. Estes são os argumentos suscitados na primeira parte do texto para a desconstrução da Teoria Sociológica Contemporânea.

LUHMANN. Niklas. The Modernity of Science. Translated by Kerstin Behnke. New German Critique. N. 61. Special Issues on Niklas Luhmann. Telos Press. 1994. 9-23.
Aguardem a postagem da Parte II.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Considerações sobre os Direitos dos Animais

Bem, primeiramente, devo pontuar que este tema me chama muito a atenção por um motivo assustador; tratarei dele ao longo da breve exposição que farei em homenagem a uma amiga que sempre vejo lutando em prol do fim dos maus tratos aos animais domésticos que, na maioria das vezes, são mais humanos do que nós mesmos. Posso citar histórias como a do cão herói que salvou uma ninhada de gatos de um incêndio no dia 26.10.2008, estabelecendo a seguinte pergunta: que melhor exemplo de moral para se ensinar aos filhotes humanos? cães e gatos "inimigos históricos" ensinando-nos o qual grande é o valor da vida. Poderia também relembrar aqueles e-mails "fw" no qual aparece a figura da cadela de raça doberman lambendo o rosto do bombeiro que acabava de salvá-la de um incendio. Todavia, apesar de serem imagens comoventes, não é isso que quero falar.

Quero na verdade fazer a vocês somente mais uma pergunta antes de continuar: Considerando todos esses exemplos de moralidade animal citados, ainda se torna necessário que existam legislações especifícias para proteção dos ditos animais, mas protege-los do que? melhor dizendo, de quem?

Isso mesmo...

Vejam o que diz a introdução à Declaração Universal dos Direitos dos Animais:

1 - Todos os animais têm o mesmo direito à vida.
2 - Todos os animais têm direito ao respeito e à proteção do homem.
3 - Nenhum animal deve ser maltratado.
4 - Todos os animais selvagens têm o direito de viver livres no seu habitat.
5 - O animal que o homem escolher para companheiro não deve ser nunca ser abandonado.
6 - Nenhum animal deve ser usado em experiências que lhe causem dor.
7 - Todo ato que põe em risco a vida de um animal é um crime contra a vida.
8 - A poluição e a destruição do meio ambiente são considerados crimescontra os animais.
9 - Os diretos dos animais devem ser defendidos por lei.
10 - O homem deve ser educado desde a infância para observar, respeitar e compreender os animais.

Bem, de fato, nada que ninguém já saiba; somente algo que tentamos esconder subconscientemente. Esse sistema de proteção serve de freio para que o animal homem não subjulgue todos os outros. Ainda posso pontuar mais algumas coisas. Apesar de o Direito Ambiental brasileiro ser considerado como um dos mais avançados no que tange a construção teórica, é somente em 1988 com a Constituição Federal de 88 que a proteção da fauna e da flora ganha um status consideravel (no que tange a hierarquia das normas). Faltando um esclarecimento sobre as especifidades das relações em cada espécie sendo apenas uma proteção em geral e abstrato.

A proteção específica tem sido feita pelos tribunais.

Por estes motivos acredito que ainda falte alguma coisa, não só no que tange a proteção legal dos direitos animais mas, principalmente, no que tange a formação moral do ser humano enquanto parte desse sistema vivo... Termino aqui transcrevendo a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, agradecendo a todos que realmente entenderam o que eu quiz dizer aqui.

Abraços!
Fiquem com Deus

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Preâmbulo:

Considerando que todo o animal possui direitos;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza;

Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo;

Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros;

Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante;

Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais,

Proclama-se o seguinte

Artigo 1º

Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.

Artigo 2º

1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado.

2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais

3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à proteção do homem.

Artigo 3º

1.Nenhum animal será submetido nem a maus tratos nem a atos cruéis. 2.Se for necessário matar um animal, ele deve de ser morto instantaneamente, sem dor e de modo a não provocar-lhe angústia.

Artigo 4º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu próprio ambiente natural, terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de se reproduzir.

2.toda a privação de liberdade, mesmo que tenha fins educativos, é contrária a este direito.

Artigo 5º

1.Todo o animal pertencente a uma espécie que viva tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie.

2.Toda a modificação deste ritmo ou destas condições que forem impostas pelo homem com fins mercantis é contrária a este direito.

Artigo 6º

1.Todo o animal que o homem escolheu para seu companheiro tem direito a uma duração de vida conforme a sua longevidade natural.

2.O abandono de um animal é um ato cruel e degradante.

Artigo 7º

Todo o animal de trabalho tem direito a uma limitação razoável de duração e de intensidade de trabalho, a uma alimentação reparadora e ao repouso.

Artigo 8º

1.A experimentação animal que implique sofrimento físico ou psicológico é incompatível com os direitos do animal, quer se trate de uma experiência médica, científica, comercial ou qualquer que seja a forma de experimentação.

2.As técnicas de substituição devem de ser utilizadas e desenvolvidas.

Artigo 9º

Quando o animal é criado para alimentação, ele deve de ser alimentado, alojado, transportado e morto sem que disso resulte para ele nem ansiedade nem dor.

Artigo 10º

1.Nenhum animal deve de ser explorado para divertimento do homem.

2.As exibições de animais e os espetáculos que utilizem animais são incompatíveis com a dignidade do animal.

Artigo 11º

Todo o ato que implique a morte de um animal sem necessidade é um biocídio, isto é um crime contra a vida.

Artigo 12º

1.Todo o ato que implique a morte de grande um número de animais selvagens é um genocídio, isto é, um crime contra a espécie.

2.A poluição e a destruição do ambiente natural conduzem ao genocídio.

Artigo 13º

1.O animal morto deve de ser tratado com respeito.

2.As cenas de violência de que os animais são vítimas devem de ser interditas no cinema e na televisão, salvo se elas tiverem por fim demonstrar um atentado aos direitos do animal.

Artigo 14º

1.Os organismos de proteção e de salvaguarda dos animais devem estar representados a nível governamental.

2.Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Por que estudar Teoria Geral do Estado?

Alberto de Moraes Papaléo Paes

1. Onde reside o problema? Preconceito, Globalização e Paradigmas da Ciência Moderna.

O professor Agassiz Almeida Filho, em artigo publicado na internet, argumenta que os alunos recém-chegados no curso de graduação em direito tendem a buscar a concretização de uma visão pragmática da ciência jurídica, fazendo com que se interessem logo por matérias como o Direito Civil, o Direito Penal, etc. a fim de obter mais rapidamente a prática necessária para o desempenho do mister advocatício . Tal fato faz com que a filosofia, a ontologia, a epistemologia e os problemas delas decorrentes sejam assuntos discriminados pelos discentes do curso.

Notadamente, talvez isso seja um efeito do movimento de globalização que segundo Milton Santos foi um processo que se deu de forma perversa consagrando estruturas como a violência da informação, a competitividade, o consumo de massa; o que traz a figura da solipsia do capital como fator egocêntrico . Estas construções interferem na formação do profissional de direito enquanto pessoas, o que faz com que o exercício da profissão fique subjugado aos ditames da sociedade globalizada, então voltada para os aspectos mais práticos do ensino jurídico, ou para as matérias que vão ajudar a passar em um bom concurso público e obter a tão sonhada estabilidade financeira.

De todo modo, podemos perceber que na verdade, a causa principal que faz com que muitos discriminem as matérias de ordem propedêutica trata da existência de um divórcio entre o debate prático e o debate teórico. Tal divórcio não é algo relativamente novo. É uma (des)construção que nasce desde Sócrates, como relembra Hannah Arendt na obra “A Promessa da Política”. Durante seu julgamento o filósofo grego utilizou o discurso dialético de forma a tentar persuadir seus julgadores, o que por Hannah foi considerado um erro crasso, uma vez que o discurso voltado para as multidões era o discurso persuasivo, a forma expansiva de se fazer política; enquanto que o discurso dialético era uma quebra de paradigma neste tipo impuro de política da antiguidade, uma vez que considerava o interesse do interlocutor e era um meio para a prática da maiêutica socrática . O problema somente começa aqui.

Antes do ano 1500, a sociedade científica possuía uma visão orgânica acerca da natureza dos acontecimentos. As produções consideravam a faticidade e a espiritualidade às necessidades individuais da comunidade, daí destacarem-se os estudos de Aristóteles, Platão, Cícero e São Tomas de Aquino (entre outros). Contudo, houve uma mutação paradigmática, que posteriormente ficou conhecida como Revolução Copernicana, na qual foi possível observar como a perspectiva da sociedade medieval mudou radicalmente entre os séculos XVI e XVII, deste modo

“a noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como se ele fosse uma máquina, e a máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era moderna. Esse desenvolvimento foi ocasionado por mudanças revolucionárias na física e na astronomia, culminando nas realizações de Copérnico, Galileu e Newton. A ciência do século XVII baseou-se num novo método de investigação, defendido vigorosamente por Francis Bacon, o qual envolvia a descrição matemática da natureza e o método analítico de raciocínio concebido pelo gênio de Descartes. Reconhecendo o papel crucial da ciência na concretização dessas importantes mudanças, os historiadores chamaram os séculos XVI e XVII de a Idade da Revolução Científica ”.

Nicolau Copérnico revolucionou a ciência moderna quando se opôs à teoria geocêntrica concebida por Ptolomeu e mantida pela igreja como um dogma por mais de mil anos. Após os a publicação de sua teoria heliocêntrica (1543), a revolução estava iniciada com a quebra de um paradigma milenar, mostrando a todos que a terra não era o centro do universo e sim somente mais um planeta que circunda um astro de segunda grandeza. Logo após, veio Johannes Kepler com a sua tentativa de descobrir uma teoria sobre a harmonia dos movimentos das esferas, o que resultou em suas leis empíricas do movimento planetário o que apenas corroborava os estudos de Copérnico. Entretanto, aquele que causou a maior mudança de opinião científica foi Galileu Galilei. Famoso pelos estudos acerca da queda dos objetos, Galileu apontou o recém-inventado telescópio para os céus e superou a cosmologia comprovando a veracidade das hipóteses de Copérnico.

Outra grande contribuição de Galileu para a ciência moderna reside no fato de que somente a partir dele é que se começa a falar na linguagem matemática da natureza e a combinação desta linguagem com a experimentação científica. O que nos leva à Francis Bacon que é citado por também contribuir com as idéias da revolução que se vivia. Bacon foi o autor do método da experimentação no qual preceituava que o conhecimento advém das comprovações experimentais, logo considerava que o homem deveria “torturar a natureza” para obter todas as respostas possíveis para suas perguntas.

Por ter vivido em meados do Séc. XVI Bacon foi fortemente influenciado pela perseguição católica mais conhecida como “caça as bruxas”, por isso acredita-se que favoreceu ao paradigma patriarcal quando utilizou de figuras como “mãe natureza”, para descrever o natural e a necessidade de torturá-la para se obter respostas. Pensando na natureza como selvagem e perigosa, tentou o homem, a todo custo, dominá-la e como a idéia do patriarcado estava fortemente ligada a este movimento, coincidiu com exploração do sexo feminino .

Outros dois grandes expoentes dessa revolução científica são Renné Descartes e Isaac Newton. Enquanto Descartes e seu “Discurso do Método” separa a mente do corpo e corporifica a divisão da ciência moderna como conhecemos, ciências naturais e ciências sociais, Newton é responsável pela fixação da metáfora da máquina do mundo, através da propagação de suas leis da física. De todo, modo, este cotejo histórico demonstra, na verdade, a fixação de um paradigma baseado no pensamento cartesiano, analítico, matemático, mecânico, que vem a ser o norte de toda a pesquisa e experimentação das ciências modernas.

Os estudos baseados no pensamento cartesiano ainda prosseguiram até 1905, quando Albert Einstein publicou dois artigos introduzindo duas tendências para a física moderna: uma teoria espacial da relatividade, e um novo modelo de considerar a radiação eletromagnética (que posteriormente se desenvolveria em característica da física quântica). Capra relembra que

“Einstein acreditava profundamente na harmonia inerente à natureza, e, ao longo de sua vida científica, sua maior preocupação foi descobrir um fundamento unificado para física. Começou a perseguir esse objetivo ao construir uma estrutura comum para a eletrodinâmica e a mecânica, duas teorias isoladas do centro da física clássica. Essa estrutura é conhecida como a teoria espacial da relatividade. Ela unificou e completou a estrutura da física clássica, mas, ao mesmo tempo, provocou mudanças radicais nos conceitos tradicionais de espaço e tempo, e, por conseguinte, abalou um dos alicerces da visão de mundo newtoniana. Dez anos depois, Einstein propôs sua teoria geral da relatividade, na qual a estrutura da teoria espacial foi ampliada, passando a incluir também a gravidade. Isso foi realizado mediante novas e drásticas modificações nos conceitos de espaço e tempo ”.

Aproximando mais essas revoluções paradigmáticas para o campo das ciências jurídicas, pode-se perceber que a divisão do método de Descartes faz com que o Direito seja uma ciência inclusa na área das ciências sociais; esta área que sofria muita discriminação por não possuir um método que associasse a linguagem cartesiana à produção científica, fazendo com que houvesse uma miscelânea de informações, teses e conceitos. Entretanto, no início do século XX uma teoria veio a demonstrar um rigor metodológico impecável, incorporando, de vez o pensamento cartesiano à ciência jurídica através da obra prima de Hans Kelsen, a Teoria Pura do Direito, consagrando uma ótica positiva das ciências jurídicas.

Este paradigma, do positivismo jurídico, apresenta-se ainda como o dominante na contemporaneidade (especialmente na brasileira). O que leva a crer que o desenvolvimento prático da produção de conhecimento na graduação de direito é um problema epistemológico; um problema do paradigma dominante na ciência do direito. Todavia, como se pode perceber ao longo desta explanação inicial, tal paradigma já não é suficiente para fornecer modelos basilares e métodos de interpretação para produção de realizações científicas que respondam aos problemas da contemporaneidade.
Muito se discute hoje acerca da tragédia das enchentes no Rio de Janeiro. Procuram-se culpados pela enorme quantidade de mortos e diz-se que isso é um problema do governo, então é culpa conjunta do município, Estado e da União, por isso um problema da política. Mas, como resolver este problema sem entender a estrutura na qual se fundamenta o Brasil? E, por que isto vem a ser um problema que opera o código do direito?

2. A Teoria Geral do Estado como ciência autônoma. História, tentativa de conceito, objeto e método.

Talvez um dos mais esclarecedores prólogos da Teoria Geral do Estado seja o de Dalmo de Abreu Dallari, quando cita Fuchs e Bodenheimer no que tange a necessidade de preparação do acadêmico de direito para ser mais do que um simples “manipulador de um processo técnico, formalista e limitado a fins imediatos ”. Outrossim, atenta o professor para três pontos que devem ser ressaltados

“a) é necessário o conhecimento das instituições, pois quem vive numa sociedade sem consciência de como ela está organizada e do papel que nela representa não é mais do que um autômato, sem inteligência e sem vontade; b) é necessário saber de que forma e através de que métodos os problemas sociais deverão ser conhecidos e as soluções elaboradas, para que não se incorra no gravíssimo erro de pretender o transplante, puro e simples, de fórmulas importadas, ou a aplicação simplista de idéias consagradas, sem a necessária adequação às exigências e possibilidades de realidade social; c) esse estudo não se enquadra no âmbito das matérias estritamente jurídicas, pois trata de muitos aspectos que irão influir na própria elaboração do direito ”.

Logo, para Dallari, a Teoria Geral do Estado serve de modo a esclarecer o profissional do direito acerca das estruturas sociais da contemporaneidade a fim de alocá-lo no seu espaço de atuação, não esquecendo que o código do direito (legal e não legal), e decorrente do estudo feito sobre estas estruturas, seja em um sistema positivo de direito, ou em um consuetudinário.

Trazendo um pouco de divergência quanto a visão da Teoria Geral do Estado como ciência autônoma, Sahid Maluf é quem acredita que ela “corresponde à parte geral do Direito Constitucional ”. Argumenta ainda que a matéria relaciona-se intrinsecamente com a política como gestão do poder político, sendo seus estudos tão antigos que remetem à Aristóteles em “A Política”, Platão em “A República”, também à Cícero e São Tomás de Aquino. Darcy Azambuja relembra, ainda que em Aristóteles o Estado foi estudado de forma real, através da realidade que era produzida naquele momento, enquanto que em Platão o Estado foi estudado de forma idealizada, a concepção de um Estado Ideal para a sociedade da época, concluindo que “aquele deu a noção, este a idéia de Estado ”.

Contudo, atentam os professores que o marco teórico para os estudos da Teoria Geral do Estado iniciam em Maquiavel quando o mesmo sintetiza e observa “tudo quanto ocorria na sua época em termos de organização e atuação do Estado ”. Logo após o trabalho do notável florentino surgiram autores como Thomas Hobbes, John Locke, Montesquieu e Rousseau influenciados pela idéia de um direito natural procuravam justificar a o fundamento deste direito e também a organização social e do poder político, utilizando como bases a própria natureza humana .

Somente no século XIX, que Gerber, Heller e Georg Jellinek inauguram a escola de pensamento alemã que consagra a Teoria Geral do Estado como uma matéria autônoma, estabelecendo-se as bases modernas de estudo. No Brasil, os estudos relativos à Teoria Geral do Estado foram inseridos na grade que divida o direito na grande dicotomia Público x Privado, sendo ela uma matéria parte do Direito Público e Constitucional, sendo que em 1940 foi regulada como dissociada do Direito Constitucional. Entretanto, se alguma pergunta insiste em transparecer ela seria, afinal de contas o que é a Teoria Geral do Estado?

Bem, sem procurar adentrar nas discussões a respeito de sua relação com a ciência política, ou se realmente deveria ser uma teoria “geral”, existe uma certeza a respeito do tema; as estruturas político-sociais, culturais, econômicas e jurídicas que representam a gestão do poder político e formam um ente regulador auto-regulado, são o tema central de pesquisa na matéria em apreço. Dalmo Dallari a define como
“uma disciplina de síntese, que sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, antropológicos, econômicos, psicológicos, valendo-se de tais conhecimentos para buscar o aperfeiçoamento do estado, concebendo-o, ao mesmo tempo, como um fato social e uma ordem, que procura atingir os seus fins com eficácia e com justiça”.

Outro que também faz um enfoque holístico do problema na conceituação da Teoria Geral do Estado é Sahid Maluf. Discorrendo acerca da Teoria Geral como “um conjunto de ciências aplicadas à compreensão do fenômeno estatal ”, destaca a importância de seu desdobramento em três ramos: Teoria Social do Estado, Teoria Política do Estado e Teoria Jurídica do Estado.

Darcy Azambuja, por outro lado, faz a uma distinção entre Ciência Política, Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado. Para o jurista brasileiro, a partir da Ciência Política nasce o estudo dos Estados em abstrato, para formulação de conceitos gerais e comuns a todos, uma Teoria Geral; ao mesmo tempo, a partir dela também nasce o estudo em particular de cada Estado que se faz a partir do Direito Constitucional. Assevera o professor que

“para uns, a ciência política, tendo embora âmbito próprio, seria apenas a parte geral do Direito Constitucional. Para outros, a Ciência Política tem por objeto não só o Estado em geral mas também cada Estado e instituição em concreto; assim o Direito Constitucional seria um de seus ramos, e o estudo do Estado caberia a Teoria Geral ”.

Através do exposto acerca da mudança paradigmática das ciências modernas, torna-se possível afirmar com certeza que o conceito da Teoria Geral do Estado perpassa pela noção de uma produção sistêmica do conhecimento, e não a partir de uma visão estrita da política, sociologia ou do direito. Daí a crítica positiva ao conceito de Dalmo de Abreu Dallari e de Sahid Maluf.

No que tange ao objeto de estudo latu sensu, consiste no estudo do Estado, mas strictu sensu, “é o estudo do Estado sob todos os aspectos incluindo a origem, a organização, o funcionamento e as finalidades, compreendendo-se no seu âmbito tudo o que se considere existindo no Estado e influindo sobre ele ”. O que é importante salientar é o fato de que podem-se tomar algumas correntes para o dinamizar o estudo desta matéria, como é o caso da divisão lembrada por Sahid Maluf, já tratada alhures. Azambuja também relembra “a Teoria Geral do Estado deve estudar o Estado sob todos os aspectos: sua origem e transformação, sua organização, as influências recíprocas entre ele e o meio social ”.

Quanto ao método, convencionou-se que, por tratar de uma matéria de extensa abrangência quanto ao seu conteúdo e objetos, justamente porque o próprio Estado se desenvolve em congruência a vários sistemas, a utilizar métodos que se adéqüem à forma, à abordagem a qual se pretende efetuar. Neste sentido pode-se citar, a observação, a indução, a dedução, a generalização, o método analógico, etc.


3. Conclusões.

Os novos rumos que têm se apresentado para a ciência moderna atacam diretamente ao método com o qual se estuda e aprende o direito. Hodiernamente, não é mais válida a antiga concepção extremada de que o Direito é somente o que está corporificado na lei. Discute-se acerca da axiologia e a função dos princípios não escritos; o problema acerca da falta de efetividade da norma jurídica que é o cerne das discussões modernas.

A catástrofe das enchentes no Rio de Janeiro, o debate acerca da ficha limpa, as conseqüências da aplicação retroativa na prática, com a possível decretação de nulidade das eleições em alguns entes da federação, tudo isto envolve uma compreensão acerca do Estado, suas funções, atuação, finalidades e etc. No primeiro caso pela necessidade de implementação de políticas públicas, sejam elas para contenção de danos e resgate de vítimas (como se vê amplamente nos noticiários), como também medidas preventivas (como não se viu antes do desastre).

No caso do debate da lei da ficha limpa e suas conseqüências, observa-se o aspecto da participação democrática na produção política e gestão do poder através do sufrágio, o que nos denota a existência de formas de governo e de estado, sistemas de governo e sua direta ligação com o direito de participação política e formação de um Estado; Regimes Políticos, etc.

De fato, além destes problemas elencados acima, o que mais tem chamado atenção dos estudiosos do direito moderno é a questão da efetividade da norma jurídica; sua adequação à realidade, o que não tem ocorrido satisfatoriamente neste tempo. Entender o porquê dessa falta de efetividade da norma jurídica é entender todas as estruturas sob as quais se funda o próprio direito e entender um pouco do próprio ser humano e a sociedade que se forma a partir do consenso. Entender os problemas contemporâneos do Direito exige uma compreensão extensa acerca dos fundamentos do Estado, por extensão um necessário passeio pela Teoria Geral do Estado.

Neste tempo em que se vivem vários processos sem entendê-los completamente a chave para uma melhor compreensão da realidade é volver os olhos para o fundamento, para a justificativa, ao mesmo tempo em que se tenta mudar concepções paradigmáticas tentar mudar o maior e mais difícil objeto mundano; o próprio ser humano.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

CAPRA E O PONTO DE MUTAÇÃO DA CIÊNCIA MODERNA

(Texto Parte de um artigo de autoria nossa publicado nos anais do XIX CONPEDI - A Afirmação de novos paradigmas na ciência jurídica a partir de uma visão sistêmica)


Em “O ponto de mutação” (mais especificamente no capítulo I, intitulado Crise e Transformação), Fritjof Capra tenta, preliminarmente, inserir o leitor no contexto da crise mundial a qual a sociedade passa naquele momento (1983); com a corrida armamentista (nuclear), e suas conseqüências[1]; com a utilização da energia nuclear no setor industrial; a super poluição e a contribuição que a tecnologia industrial tem dado para o crescente “risco” ecológico e à saúde; a questão das “doenças da civilização[2]”; por fim a questão da crise econômica representada (à época), pela figura da inflação galopante, desemprego maciço e distribuição desigualitária de renda; e o eminente esgotamento dos recursos naturais.

Estabelecida idéia de crise Capra passa a demonstrar como tais problemas são intimamente ligados uns com os outros e demonstra como a concepção reducionista do conhecimento (criada por Descartes), gera uma total falta de respostas para os problemas apresentados na sociedade moderna. Fica clara essa crítica quando aponta que a verdadeira crise é a de idéias na qual as ciências especificas não tem respostas, considerando que passam “a subscrever percepções estreitas da realidade, as quais são inadequadas para resolver os problemas de nosso tempo[3]”.

Portanto, a inicialização do trabalho em “O ponto de mutação” reside na tentativa de inserção do leitor no contexto dessa crise de idéias, conseqüência da falta de soluções para os problemas da sociedade moderna em decorrência da percepção estreita da realidade pelos cientistas de nosso tempo, fato este que comprova que todos os problemas estão intimamente ligados de forma sistêmica e uma análise especifica somente geraria soluções específicas, sem, contudo, solucionar a grande falha estrutural na produção científica.

Estabelecida a idéia de crise, recorre Capra à filosofia chinesa que conceitua “crise” com o termo wei-ji. Composto pelos caracteres “perigo” e “oportunidade”, ficando viva a imagem de que apesar dos crescentes perigos os quais a sociedade passava (e vem passando), o ser humano tem a oportunidade de encontrar-se na adversidade, de “encontrar seu caminho”. Logo, o recurso a essa abstração nos leva a crer que não é por acaso intitular-se a obra de “O ponto de mutação”.

Utilizando-se dos ensinamentos de Toynbee, Capra ainda revela que existe um padrão de nos estudos de queda e ascensão das civilizações no qual “a gênese de uma civilização consiste na transição de uma condição estática para a atividade dinâmica[4]”, e que este padrão básico nada mais é do que um padrão de interação denominado de “desafio-e-resposta”. Esta idéia fica comprovada quando ele afirma que “a civilização continua a crescer quando sua resposta bem sucedida ao desafio inicial gera um ímpeto cultural que leva a sociedade para além de um estado de equilíbrio, que então se rompe e apresenta um novo desafio[5]”. Daí a dinamicidade da atividade das civilizações.

O que tem ocorrido conosco é que a falta de dinamicidade, ao longo dos anos, acabou por gerar esta crise que se fundamenta (segundo Capra) em três facetas: 1) a supremacia do patriarcado; 2) a utilização de combustíveis fósseis; e 3) os valores sociais apresentados em forma de paradigma; existindo a crescente necessidade de que superemos tais “problemas”.

A apresentação da crise, vista pelo viés da sociedade patriarcal (que é um dos paradigmas mais antigos da humanidade) e considerando que pouco se sabe acerca das sociedades pré-patriarcais, é um ponto de vista válido como alicerce dos outros dois. Explica-nos Capra que a filosofia Taoísta vem sendo interpretada de modo a conceber o yin como sendo o lado “feminino” de todas as coisas, enquanto que yang seria o lado masculino.

Na verdade, ao descrever o sistema yin-yang, nunca quis o Tao operar divisão entre opostos, tanto que nunca aparecem separados, mas quer sim que os opostos se harmonizem procurando o constante equilíbrio. Então, Capra se utiliza de tal conceito no intuito de demonstrar que a ciência e o pensamento da sociedade eram (ou ainda são) preponderantemente, masculinas, expansivas, exigentes agressivas, competitivas, racionais (o cerne do conhecimento científico), analíticas, etc. Por isso é que deve-se proceder ao resgate do lado feminino, contrátil, conservador, receptivo, cooperativo, indutivo (o lado perdido da ciência), sintético, etc. a fim de estabelecer-se um equilíbrio entre todos os opostos.

E a crítica não termina aí. Relembra-nos Capra que as quando Descartes separou corpo e alma, procedeu-se, na verdade, a criação de uma concepção mecânica do ser humano e do universo. No filme “Mindwalk”, baseado no livro em estudo, utiliza-se uma metáfora para descrever a visão mecanicista do ser humano. Considerando o homem como se fosse um relógio, se perfeito, funcionaria perfeitamente, entretanto, se tivesse uma pequena peça avariada a mesma deveria ser estudada minuciosamente (separada do todo), para que o problema pudesse ser resolvido. Daí decorre a divisão do estudo do objeto em áreas específicas.

Francis Bacon é citado na obra por também contribuir com as idéias de Renné Descartes. Bacon foi o autor do método da experimentação no qual preceituava que o conhecimento advém das comprovações experimentais, logo considerava que o homem deveria “torturar a natureza” para obter todas as respostas possíveis para suas perguntas. Por ter vivido em meados do Séc. XVI, Bacon foi fortemente influenciado pela perseguição católica mais conhecida como “caça as bruxas”, por isso acredita-se que favoreceu ao paradigma patriarcal quando utilizou de figuras como “mãe natureza”, para descrever o natural e a necessidade de torturá-la para se obter respostas. Pensando na natureza como selvagem e perigosa, tentou o homem, a todo custo, dominá-la e como a idéia do patriarcado estava fortemente ligada a este movimento, coincidiu com exploração do sexo feminino.

Em verdade, a obra de Fritjof Capra representa um marco para ciência moderna, não pelo cunho filosófico ou teórico de sua argumentação, mas sim por ser uma crítica à sociedade científica que se apresenta estática em relação ao dinamismo universal das relações sistêmicas. O caminho das ciências, depois de Capra, tende a permanecer utilizando o reducionismo de Descartes, entretanto, cada vez mais e mais passamos a buscar a complementaridade entre as relações científicas, e é justamente neste viés que “O Ponto de Mutação” torna-se de imprescindível relevância.



[1] [1] Como conseqüências cita o autor a disparidade entre os incentivos nucleares (que giravam em torno de 1 bilhão) e os outros ramos que necessitam de maior atenção (como alimentação, seguridade social e prestação de serviços básicos). CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação – a ciência a sociedade e a cultura emergente. Editora Cultrix. Pág. 19.

[2] [2] A este respeito citamos in verbis: “Enquanto as doenças nutricionais e infecciosas são as maiores responsáveis pela morte no Terceiro Mundo, os países industrializados são flagelados pelas doenças crônicas e degenerativas, apropriadamente chamadas "doenças da civilização", sobretudo as enfermidades cardíacas, o câncer e o derrame. Quanto ao aspecto psicológico a depressão grave, a esquizofrenia e outros distúrbios de comportamento parecem brotar de uma deterioração paralela de nosso meio ambiente social”. CAPRA, Fritjof. Op cit. Pág. 22.

[3] [3] CAPRA, Fritjof. Op Cit. Pág. 23.

[4] [4] Idem. Ibidem. Pág. 24.

[5] [5] Idem. Ibidem. Pág. 25.