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terça-feira, 17 de agosto de 2010

CAPRA E O PONTO DE MUTAÇÃO DA CIÊNCIA MODERNA

(Texto Parte de um artigo de autoria nossa publicado nos anais do XIX CONPEDI - A Afirmação de novos paradigmas na ciência jurídica a partir de uma visão sistêmica)


Em “O ponto de mutação” (mais especificamente no capítulo I, intitulado Crise e Transformação), Fritjof Capra tenta, preliminarmente, inserir o leitor no contexto da crise mundial a qual a sociedade passa naquele momento (1983); com a corrida armamentista (nuclear), e suas conseqüências[1]; com a utilização da energia nuclear no setor industrial; a super poluição e a contribuição que a tecnologia industrial tem dado para o crescente “risco” ecológico e à saúde; a questão das “doenças da civilização[2]”; por fim a questão da crise econômica representada (à época), pela figura da inflação galopante, desemprego maciço e distribuição desigualitária de renda; e o eminente esgotamento dos recursos naturais.

Estabelecida idéia de crise Capra passa a demonstrar como tais problemas são intimamente ligados uns com os outros e demonstra como a concepção reducionista do conhecimento (criada por Descartes), gera uma total falta de respostas para os problemas apresentados na sociedade moderna. Fica clara essa crítica quando aponta que a verdadeira crise é a de idéias na qual as ciências especificas não tem respostas, considerando que passam “a subscrever percepções estreitas da realidade, as quais são inadequadas para resolver os problemas de nosso tempo[3]”.

Portanto, a inicialização do trabalho em “O ponto de mutação” reside na tentativa de inserção do leitor no contexto dessa crise de idéias, conseqüência da falta de soluções para os problemas da sociedade moderna em decorrência da percepção estreita da realidade pelos cientistas de nosso tempo, fato este que comprova que todos os problemas estão intimamente ligados de forma sistêmica e uma análise especifica somente geraria soluções específicas, sem, contudo, solucionar a grande falha estrutural na produção científica.

Estabelecida a idéia de crise, recorre Capra à filosofia chinesa que conceitua “crise” com o termo wei-ji. Composto pelos caracteres “perigo” e “oportunidade”, ficando viva a imagem de que apesar dos crescentes perigos os quais a sociedade passava (e vem passando), o ser humano tem a oportunidade de encontrar-se na adversidade, de “encontrar seu caminho”. Logo, o recurso a essa abstração nos leva a crer que não é por acaso intitular-se a obra de “O ponto de mutação”.

Utilizando-se dos ensinamentos de Toynbee, Capra ainda revela que existe um padrão de nos estudos de queda e ascensão das civilizações no qual “a gênese de uma civilização consiste na transição de uma condição estática para a atividade dinâmica[4]”, e que este padrão básico nada mais é do que um padrão de interação denominado de “desafio-e-resposta”. Esta idéia fica comprovada quando ele afirma que “a civilização continua a crescer quando sua resposta bem sucedida ao desafio inicial gera um ímpeto cultural que leva a sociedade para além de um estado de equilíbrio, que então se rompe e apresenta um novo desafio[5]”. Daí a dinamicidade da atividade das civilizações.

O que tem ocorrido conosco é que a falta de dinamicidade, ao longo dos anos, acabou por gerar esta crise que se fundamenta (segundo Capra) em três facetas: 1) a supremacia do patriarcado; 2) a utilização de combustíveis fósseis; e 3) os valores sociais apresentados em forma de paradigma; existindo a crescente necessidade de que superemos tais “problemas”.

A apresentação da crise, vista pelo viés da sociedade patriarcal (que é um dos paradigmas mais antigos da humanidade) e considerando que pouco se sabe acerca das sociedades pré-patriarcais, é um ponto de vista válido como alicerce dos outros dois. Explica-nos Capra que a filosofia Taoísta vem sendo interpretada de modo a conceber o yin como sendo o lado “feminino” de todas as coisas, enquanto que yang seria o lado masculino.

Na verdade, ao descrever o sistema yin-yang, nunca quis o Tao operar divisão entre opostos, tanto que nunca aparecem separados, mas quer sim que os opostos se harmonizem procurando o constante equilíbrio. Então, Capra se utiliza de tal conceito no intuito de demonstrar que a ciência e o pensamento da sociedade eram (ou ainda são) preponderantemente, masculinas, expansivas, exigentes agressivas, competitivas, racionais (o cerne do conhecimento científico), analíticas, etc. Por isso é que deve-se proceder ao resgate do lado feminino, contrátil, conservador, receptivo, cooperativo, indutivo (o lado perdido da ciência), sintético, etc. a fim de estabelecer-se um equilíbrio entre todos os opostos.

E a crítica não termina aí. Relembra-nos Capra que as quando Descartes separou corpo e alma, procedeu-se, na verdade, a criação de uma concepção mecânica do ser humano e do universo. No filme “Mindwalk”, baseado no livro em estudo, utiliza-se uma metáfora para descrever a visão mecanicista do ser humano. Considerando o homem como se fosse um relógio, se perfeito, funcionaria perfeitamente, entretanto, se tivesse uma pequena peça avariada a mesma deveria ser estudada minuciosamente (separada do todo), para que o problema pudesse ser resolvido. Daí decorre a divisão do estudo do objeto em áreas específicas.

Francis Bacon é citado na obra por também contribuir com as idéias de Renné Descartes. Bacon foi o autor do método da experimentação no qual preceituava que o conhecimento advém das comprovações experimentais, logo considerava que o homem deveria “torturar a natureza” para obter todas as respostas possíveis para suas perguntas. Por ter vivido em meados do Séc. XVI, Bacon foi fortemente influenciado pela perseguição católica mais conhecida como “caça as bruxas”, por isso acredita-se que favoreceu ao paradigma patriarcal quando utilizou de figuras como “mãe natureza”, para descrever o natural e a necessidade de torturá-la para se obter respostas. Pensando na natureza como selvagem e perigosa, tentou o homem, a todo custo, dominá-la e como a idéia do patriarcado estava fortemente ligada a este movimento, coincidiu com exploração do sexo feminino.

Em verdade, a obra de Fritjof Capra representa um marco para ciência moderna, não pelo cunho filosófico ou teórico de sua argumentação, mas sim por ser uma crítica à sociedade científica que se apresenta estática em relação ao dinamismo universal das relações sistêmicas. O caminho das ciências, depois de Capra, tende a permanecer utilizando o reducionismo de Descartes, entretanto, cada vez mais e mais passamos a buscar a complementaridade entre as relações científicas, e é justamente neste viés que “O Ponto de Mutação” torna-se de imprescindível relevância.



[1] [1] Como conseqüências cita o autor a disparidade entre os incentivos nucleares (que giravam em torno de 1 bilhão) e os outros ramos que necessitam de maior atenção (como alimentação, seguridade social e prestação de serviços básicos). CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação – a ciência a sociedade e a cultura emergente. Editora Cultrix. Pág. 19.

[2] [2] A este respeito citamos in verbis: “Enquanto as doenças nutricionais e infecciosas são as maiores responsáveis pela morte no Terceiro Mundo, os países industrializados são flagelados pelas doenças crônicas e degenerativas, apropriadamente chamadas "doenças da civilização", sobretudo as enfermidades cardíacas, o câncer e o derrame. Quanto ao aspecto psicológico a depressão grave, a esquizofrenia e outros distúrbios de comportamento parecem brotar de uma deterioração paralela de nosso meio ambiente social”. CAPRA, Fritjof. Op cit. Pág. 22.

[3] [3] CAPRA, Fritjof. Op Cit. Pág. 23.

[4] [4] Idem. Ibidem. Pág. 24.

[5] [5] Idem. Ibidem. Pág. 25.