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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Por que estudar Teoria Geral do Estado?

Alberto de Moraes Papaléo Paes

1. Onde reside o problema? Preconceito, Globalização e Paradigmas da Ciência Moderna.

O professor Agassiz Almeida Filho, em artigo publicado na internet, argumenta que os alunos recém-chegados no curso de graduação em direito tendem a buscar a concretização de uma visão pragmática da ciência jurídica, fazendo com que se interessem logo por matérias como o Direito Civil, o Direito Penal, etc. a fim de obter mais rapidamente a prática necessária para o desempenho do mister advocatício . Tal fato faz com que a filosofia, a ontologia, a epistemologia e os problemas delas decorrentes sejam assuntos discriminados pelos discentes do curso.

Notadamente, talvez isso seja um efeito do movimento de globalização que segundo Milton Santos foi um processo que se deu de forma perversa consagrando estruturas como a violência da informação, a competitividade, o consumo de massa; o que traz a figura da solipsia do capital como fator egocêntrico . Estas construções interferem na formação do profissional de direito enquanto pessoas, o que faz com que o exercício da profissão fique subjugado aos ditames da sociedade globalizada, então voltada para os aspectos mais práticos do ensino jurídico, ou para as matérias que vão ajudar a passar em um bom concurso público e obter a tão sonhada estabilidade financeira.

De todo modo, podemos perceber que na verdade, a causa principal que faz com que muitos discriminem as matérias de ordem propedêutica trata da existência de um divórcio entre o debate prático e o debate teórico. Tal divórcio não é algo relativamente novo. É uma (des)construção que nasce desde Sócrates, como relembra Hannah Arendt na obra “A Promessa da Política”. Durante seu julgamento o filósofo grego utilizou o discurso dialético de forma a tentar persuadir seus julgadores, o que por Hannah foi considerado um erro crasso, uma vez que o discurso voltado para as multidões era o discurso persuasivo, a forma expansiva de se fazer política; enquanto que o discurso dialético era uma quebra de paradigma neste tipo impuro de política da antiguidade, uma vez que considerava o interesse do interlocutor e era um meio para a prática da maiêutica socrática . O problema somente começa aqui.

Antes do ano 1500, a sociedade científica possuía uma visão orgânica acerca da natureza dos acontecimentos. As produções consideravam a faticidade e a espiritualidade às necessidades individuais da comunidade, daí destacarem-se os estudos de Aristóteles, Platão, Cícero e São Tomas de Aquino (entre outros). Contudo, houve uma mutação paradigmática, que posteriormente ficou conhecida como Revolução Copernicana, na qual foi possível observar como a perspectiva da sociedade medieval mudou radicalmente entre os séculos XVI e XVII, deste modo

“a noção de um universo orgânico, vivo e espiritual foi substituída pela noção do mundo como se ele fosse uma máquina, e a máquina do mundo converteu-se na metáfora dominante da era moderna. Esse desenvolvimento foi ocasionado por mudanças revolucionárias na física e na astronomia, culminando nas realizações de Copérnico, Galileu e Newton. A ciência do século XVII baseou-se num novo método de investigação, defendido vigorosamente por Francis Bacon, o qual envolvia a descrição matemática da natureza e o método analítico de raciocínio concebido pelo gênio de Descartes. Reconhecendo o papel crucial da ciência na concretização dessas importantes mudanças, os historiadores chamaram os séculos XVI e XVII de a Idade da Revolução Científica ”.

Nicolau Copérnico revolucionou a ciência moderna quando se opôs à teoria geocêntrica concebida por Ptolomeu e mantida pela igreja como um dogma por mais de mil anos. Após os a publicação de sua teoria heliocêntrica (1543), a revolução estava iniciada com a quebra de um paradigma milenar, mostrando a todos que a terra não era o centro do universo e sim somente mais um planeta que circunda um astro de segunda grandeza. Logo após, veio Johannes Kepler com a sua tentativa de descobrir uma teoria sobre a harmonia dos movimentos das esferas, o que resultou em suas leis empíricas do movimento planetário o que apenas corroborava os estudos de Copérnico. Entretanto, aquele que causou a maior mudança de opinião científica foi Galileu Galilei. Famoso pelos estudos acerca da queda dos objetos, Galileu apontou o recém-inventado telescópio para os céus e superou a cosmologia comprovando a veracidade das hipóteses de Copérnico.

Outra grande contribuição de Galileu para a ciência moderna reside no fato de que somente a partir dele é que se começa a falar na linguagem matemática da natureza e a combinação desta linguagem com a experimentação científica. O que nos leva à Francis Bacon que é citado por também contribuir com as idéias da revolução que se vivia. Bacon foi o autor do método da experimentação no qual preceituava que o conhecimento advém das comprovações experimentais, logo considerava que o homem deveria “torturar a natureza” para obter todas as respostas possíveis para suas perguntas.

Por ter vivido em meados do Séc. XVI Bacon foi fortemente influenciado pela perseguição católica mais conhecida como “caça as bruxas”, por isso acredita-se que favoreceu ao paradigma patriarcal quando utilizou de figuras como “mãe natureza”, para descrever o natural e a necessidade de torturá-la para se obter respostas. Pensando na natureza como selvagem e perigosa, tentou o homem, a todo custo, dominá-la e como a idéia do patriarcado estava fortemente ligada a este movimento, coincidiu com exploração do sexo feminino .

Outros dois grandes expoentes dessa revolução científica são Renné Descartes e Isaac Newton. Enquanto Descartes e seu “Discurso do Método” separa a mente do corpo e corporifica a divisão da ciência moderna como conhecemos, ciências naturais e ciências sociais, Newton é responsável pela fixação da metáfora da máquina do mundo, através da propagação de suas leis da física. De todo, modo, este cotejo histórico demonstra, na verdade, a fixação de um paradigma baseado no pensamento cartesiano, analítico, matemático, mecânico, que vem a ser o norte de toda a pesquisa e experimentação das ciências modernas.

Os estudos baseados no pensamento cartesiano ainda prosseguiram até 1905, quando Albert Einstein publicou dois artigos introduzindo duas tendências para a física moderna: uma teoria espacial da relatividade, e um novo modelo de considerar a radiação eletromagnética (que posteriormente se desenvolveria em característica da física quântica). Capra relembra que

“Einstein acreditava profundamente na harmonia inerente à natureza, e, ao longo de sua vida científica, sua maior preocupação foi descobrir um fundamento unificado para física. Começou a perseguir esse objetivo ao construir uma estrutura comum para a eletrodinâmica e a mecânica, duas teorias isoladas do centro da física clássica. Essa estrutura é conhecida como a teoria espacial da relatividade. Ela unificou e completou a estrutura da física clássica, mas, ao mesmo tempo, provocou mudanças radicais nos conceitos tradicionais de espaço e tempo, e, por conseguinte, abalou um dos alicerces da visão de mundo newtoniana. Dez anos depois, Einstein propôs sua teoria geral da relatividade, na qual a estrutura da teoria espacial foi ampliada, passando a incluir também a gravidade. Isso foi realizado mediante novas e drásticas modificações nos conceitos de espaço e tempo ”.

Aproximando mais essas revoluções paradigmáticas para o campo das ciências jurídicas, pode-se perceber que a divisão do método de Descartes faz com que o Direito seja uma ciência inclusa na área das ciências sociais; esta área que sofria muita discriminação por não possuir um método que associasse a linguagem cartesiana à produção científica, fazendo com que houvesse uma miscelânea de informações, teses e conceitos. Entretanto, no início do século XX uma teoria veio a demonstrar um rigor metodológico impecável, incorporando, de vez o pensamento cartesiano à ciência jurídica através da obra prima de Hans Kelsen, a Teoria Pura do Direito, consagrando uma ótica positiva das ciências jurídicas.

Este paradigma, do positivismo jurídico, apresenta-se ainda como o dominante na contemporaneidade (especialmente na brasileira). O que leva a crer que o desenvolvimento prático da produção de conhecimento na graduação de direito é um problema epistemológico; um problema do paradigma dominante na ciência do direito. Todavia, como se pode perceber ao longo desta explanação inicial, tal paradigma já não é suficiente para fornecer modelos basilares e métodos de interpretação para produção de realizações científicas que respondam aos problemas da contemporaneidade.
Muito se discute hoje acerca da tragédia das enchentes no Rio de Janeiro. Procuram-se culpados pela enorme quantidade de mortos e diz-se que isso é um problema do governo, então é culpa conjunta do município, Estado e da União, por isso um problema da política. Mas, como resolver este problema sem entender a estrutura na qual se fundamenta o Brasil? E, por que isto vem a ser um problema que opera o código do direito?

2. A Teoria Geral do Estado como ciência autônoma. História, tentativa de conceito, objeto e método.

Talvez um dos mais esclarecedores prólogos da Teoria Geral do Estado seja o de Dalmo de Abreu Dallari, quando cita Fuchs e Bodenheimer no que tange a necessidade de preparação do acadêmico de direito para ser mais do que um simples “manipulador de um processo técnico, formalista e limitado a fins imediatos ”. Outrossim, atenta o professor para três pontos que devem ser ressaltados

“a) é necessário o conhecimento das instituições, pois quem vive numa sociedade sem consciência de como ela está organizada e do papel que nela representa não é mais do que um autômato, sem inteligência e sem vontade; b) é necessário saber de que forma e através de que métodos os problemas sociais deverão ser conhecidos e as soluções elaboradas, para que não se incorra no gravíssimo erro de pretender o transplante, puro e simples, de fórmulas importadas, ou a aplicação simplista de idéias consagradas, sem a necessária adequação às exigências e possibilidades de realidade social; c) esse estudo não se enquadra no âmbito das matérias estritamente jurídicas, pois trata de muitos aspectos que irão influir na própria elaboração do direito ”.

Logo, para Dallari, a Teoria Geral do Estado serve de modo a esclarecer o profissional do direito acerca das estruturas sociais da contemporaneidade a fim de alocá-lo no seu espaço de atuação, não esquecendo que o código do direito (legal e não legal), e decorrente do estudo feito sobre estas estruturas, seja em um sistema positivo de direito, ou em um consuetudinário.

Trazendo um pouco de divergência quanto a visão da Teoria Geral do Estado como ciência autônoma, Sahid Maluf é quem acredita que ela “corresponde à parte geral do Direito Constitucional ”. Argumenta ainda que a matéria relaciona-se intrinsecamente com a política como gestão do poder político, sendo seus estudos tão antigos que remetem à Aristóteles em “A Política”, Platão em “A República”, também à Cícero e São Tomás de Aquino. Darcy Azambuja relembra, ainda que em Aristóteles o Estado foi estudado de forma real, através da realidade que era produzida naquele momento, enquanto que em Platão o Estado foi estudado de forma idealizada, a concepção de um Estado Ideal para a sociedade da época, concluindo que “aquele deu a noção, este a idéia de Estado ”.

Contudo, atentam os professores que o marco teórico para os estudos da Teoria Geral do Estado iniciam em Maquiavel quando o mesmo sintetiza e observa “tudo quanto ocorria na sua época em termos de organização e atuação do Estado ”. Logo após o trabalho do notável florentino surgiram autores como Thomas Hobbes, John Locke, Montesquieu e Rousseau influenciados pela idéia de um direito natural procuravam justificar a o fundamento deste direito e também a organização social e do poder político, utilizando como bases a própria natureza humana .

Somente no século XIX, que Gerber, Heller e Georg Jellinek inauguram a escola de pensamento alemã que consagra a Teoria Geral do Estado como uma matéria autônoma, estabelecendo-se as bases modernas de estudo. No Brasil, os estudos relativos à Teoria Geral do Estado foram inseridos na grade que divida o direito na grande dicotomia Público x Privado, sendo ela uma matéria parte do Direito Público e Constitucional, sendo que em 1940 foi regulada como dissociada do Direito Constitucional. Entretanto, se alguma pergunta insiste em transparecer ela seria, afinal de contas o que é a Teoria Geral do Estado?

Bem, sem procurar adentrar nas discussões a respeito de sua relação com a ciência política, ou se realmente deveria ser uma teoria “geral”, existe uma certeza a respeito do tema; as estruturas político-sociais, culturais, econômicas e jurídicas que representam a gestão do poder político e formam um ente regulador auto-regulado, são o tema central de pesquisa na matéria em apreço. Dalmo Dallari a define como
“uma disciplina de síntese, que sistematiza conhecimentos jurídicos, filosóficos, sociológicos, políticos, históricos, antropológicos, econômicos, psicológicos, valendo-se de tais conhecimentos para buscar o aperfeiçoamento do estado, concebendo-o, ao mesmo tempo, como um fato social e uma ordem, que procura atingir os seus fins com eficácia e com justiça”.

Outro que também faz um enfoque holístico do problema na conceituação da Teoria Geral do Estado é Sahid Maluf. Discorrendo acerca da Teoria Geral como “um conjunto de ciências aplicadas à compreensão do fenômeno estatal ”, destaca a importância de seu desdobramento em três ramos: Teoria Social do Estado, Teoria Política do Estado e Teoria Jurídica do Estado.

Darcy Azambuja, por outro lado, faz a uma distinção entre Ciência Política, Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado. Para o jurista brasileiro, a partir da Ciência Política nasce o estudo dos Estados em abstrato, para formulação de conceitos gerais e comuns a todos, uma Teoria Geral; ao mesmo tempo, a partir dela também nasce o estudo em particular de cada Estado que se faz a partir do Direito Constitucional. Assevera o professor que

“para uns, a ciência política, tendo embora âmbito próprio, seria apenas a parte geral do Direito Constitucional. Para outros, a Ciência Política tem por objeto não só o Estado em geral mas também cada Estado e instituição em concreto; assim o Direito Constitucional seria um de seus ramos, e o estudo do Estado caberia a Teoria Geral ”.

Através do exposto acerca da mudança paradigmática das ciências modernas, torna-se possível afirmar com certeza que o conceito da Teoria Geral do Estado perpassa pela noção de uma produção sistêmica do conhecimento, e não a partir de uma visão estrita da política, sociologia ou do direito. Daí a crítica positiva ao conceito de Dalmo de Abreu Dallari e de Sahid Maluf.

No que tange ao objeto de estudo latu sensu, consiste no estudo do Estado, mas strictu sensu, “é o estudo do Estado sob todos os aspectos incluindo a origem, a organização, o funcionamento e as finalidades, compreendendo-se no seu âmbito tudo o que se considere existindo no Estado e influindo sobre ele ”. O que é importante salientar é o fato de que podem-se tomar algumas correntes para o dinamizar o estudo desta matéria, como é o caso da divisão lembrada por Sahid Maluf, já tratada alhures. Azambuja também relembra “a Teoria Geral do Estado deve estudar o Estado sob todos os aspectos: sua origem e transformação, sua organização, as influências recíprocas entre ele e o meio social ”.

Quanto ao método, convencionou-se que, por tratar de uma matéria de extensa abrangência quanto ao seu conteúdo e objetos, justamente porque o próprio Estado se desenvolve em congruência a vários sistemas, a utilizar métodos que se adéqüem à forma, à abordagem a qual se pretende efetuar. Neste sentido pode-se citar, a observação, a indução, a dedução, a generalização, o método analógico, etc.


3. Conclusões.

Os novos rumos que têm se apresentado para a ciência moderna atacam diretamente ao método com o qual se estuda e aprende o direito. Hodiernamente, não é mais válida a antiga concepção extremada de que o Direito é somente o que está corporificado na lei. Discute-se acerca da axiologia e a função dos princípios não escritos; o problema acerca da falta de efetividade da norma jurídica que é o cerne das discussões modernas.

A catástrofe das enchentes no Rio de Janeiro, o debate acerca da ficha limpa, as conseqüências da aplicação retroativa na prática, com a possível decretação de nulidade das eleições em alguns entes da federação, tudo isto envolve uma compreensão acerca do Estado, suas funções, atuação, finalidades e etc. No primeiro caso pela necessidade de implementação de políticas públicas, sejam elas para contenção de danos e resgate de vítimas (como se vê amplamente nos noticiários), como também medidas preventivas (como não se viu antes do desastre).

No caso do debate da lei da ficha limpa e suas conseqüências, observa-se o aspecto da participação democrática na produção política e gestão do poder através do sufrágio, o que nos denota a existência de formas de governo e de estado, sistemas de governo e sua direta ligação com o direito de participação política e formação de um Estado; Regimes Políticos, etc.

De fato, além destes problemas elencados acima, o que mais tem chamado atenção dos estudiosos do direito moderno é a questão da efetividade da norma jurídica; sua adequação à realidade, o que não tem ocorrido satisfatoriamente neste tempo. Entender o porquê dessa falta de efetividade da norma jurídica é entender todas as estruturas sob as quais se funda o próprio direito e entender um pouco do próprio ser humano e a sociedade que se forma a partir do consenso. Entender os problemas contemporâneos do Direito exige uma compreensão extensa acerca dos fundamentos do Estado, por extensão um necessário passeio pela Teoria Geral do Estado.

Neste tempo em que se vivem vários processos sem entendê-los completamente a chave para uma melhor compreensão da realidade é volver os olhos para o fundamento, para a justificativa, ao mesmo tempo em que se tenta mudar concepções paradigmáticas tentar mudar o maior e mais difícil objeto mundano; o próprio ser humano.

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